O que é Hanseníase?

A hanseníase, conhecida antigamente como Lepra, é uma doença crônica, transmissível, de notificação compulsória e investigação obrigatória em todo território nacional. Possui como agente etiológico o Micobacterium leprae, bacilo que tem a capacidade de infectar grande número de indivíduos, e atinge principalmente a pele e os nervos periféricos, com capacidade de ocasionar lesões neurais, conferindo à doença um alto poder incapacitante, principal responsável pelo estigma e discriminação às pessoas acometidas pela doença.

A infecção por hanseníase pode acometer pessoas de ambos os sexos e de qualquer idade. Entretanto, é necessário um longo período de exposição à bactéria, sendo que apenas uma pequena parcela da população infectada realmente adoece.

A hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade. As referências mais remotas datam de 600 a.C. e procedem da Ásia, que, juntamente com a África, são consideradas o berço da doença. Entretanto, a terminologia hanseníase é iniciativa brasileira para minimizar o preconceito secular atribuído à doença, adotada pelo Ministério da Saúde em 1976. Com isso, o nome Lepra e seus adjetivos passam a ser proibidos no País.

O Brasil ocupa a 2ª posição do mundo, entre os países que registram casos novos. Em razão da elevada carga, a doença permanece como um importante problema de saúde pública no País.

Quais são os sintomas da Hanseníase?

Os sinais e sintomas mais frequentes da hanseníase são:

  • Manchas esbranquiçadas, avermelhadas ou amarronzadas, em qualquer parte do corpo, com perda ou alteração de sensibilidade térmica (ao calor e frio), tátil (ao tato) e à dor, que podem estar principalmente nas extremidades das mãos e dos pés, na face, nas orelhas, no tronco, nas nádegas e nas pernas.
  • Áreas com diminuição dos pelos e do suor.
  • Dor e sensação de choque, formigamento, fisgadas e agulhadas ao longo dos nervos dos braços e das pernas.
  • Inchaço de mãos e pés.
  • Diminuição sensibilidade e/ou da força muscular da face, mãos e pés, devido à inflamação de nervos, que nesses casos podem estar engrossados e doloridos.
  • Úlceras de pernas e pés.
  • Caroços (nódulos) no corpo, em alguns casos avermelhados e dolorosos.
  • Febre, edemas e dor nas juntas.
  • Entupimento, sangramento, ferida e ressecamento do nariz.
  • Ressecamento nos olhos.

Como é feito o diagnóstico da Hanseníase?

O diagnóstico de caso de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico, realizado por meio do exame geral e dermatoneurólogico para identificar lesões ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos, com alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.

Os casos com suspeita de comprometimento neural, sem lesão cutânea (suspeita de hanse­níase neural pura), e aqueles que apresentam área com alteração sensitiva e/ou autonômica du­vidosa e sem lesão cutânea evidente, deverão ser encaminhados para unidades de saúde de maior complexidade para confirmação diagnóstica. Recomenda-se que nessas unidades esses pacientes sejam submetidos novamente ao exame dermatoneurológico criterioso, à coleta de material para exames laboratoriais (baci­loscopia ou histopatologia cutânea ou de nervo periférico sensitivo), a exames eletrofisiológicos e/ou outros mais complexos, para identificar comprometimento cutâneo ou neural discreto e para diagnóstico diferencial com outras neuropatias periféricas.

Em crianças, o diagnóstico da hanseníase exige avaliação ainda mais criteriosa, diante da dificuldade de aplicação e interpretação dos testes de sensibilidade. Casos em criança, podem sinalizar transmissão ativa da doença, especialmente entre os familiares, o que deve, portanto, intensificar a investigação dos contatos. Para diagnóstico desses casos, recomenda-se utilizar o “Proto­colo Complementar de Investigação Diagnóstica de Casos de Hanseníase em Menores de 15 Anos”.

O diagnóstico de hanseníase deve ser recebido de modo semelhante ao de outras doenças curáveis. Entretanto, se vier a causar impacto psicológico, tanto a quem adoeceu quanto aos familiares ou pes­soas de sua rede social, essa situação requererá uma abordagem apropriada pela equipe de saúde, que permita a aceitação do problema, superação das dificuldades e maior adesão ao tratamento. Essa atenção deve ser oferecida no momento do diagnóstico, bem como no decorrer do tratamen­to da doença e, se necessária, após a alta.

Como a Hanseníase é transmitida?

A hanseníase é transmitida pelas vias áreas superiores (tosse ou espirro), por meio do convívio próximo e prolongado com uma pessoa doente sem tratamento.

A hanseníase apresenta longo período de incubação, ou seja, tempo em que os sinais e sintomas se manifestam desde a infecção. Geralmente, é em média de 2 a 7 anos. Há referências com períodos mais curtos, de 7 meses, como também mais longos, de 10 anos.

Como é feito o tratamento da Hanseníase?

A informação sobre a manifestação clínica da hanseníase em cada pessoa, é fundamental para determinar a classificação operacional da doença como Paucibacilar (poucos bacilos) ou Multibacilar (muitos bacilos) e para selecionar o esquema de tratamento adequado para cada caso.

O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza o tratamento e acompanhamento da doença em unidades básicas de saúde e em referências. O tratamento da doença é realizado com a Poliquimioterapia (PQT), uma associação de antibimicrobianos, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa associação diminui a resistência medicamentosa do bacilo, que ocorre com frequên­cia quando se utiliza apenas um medicamento, o que acaba impossibilitando a cura da doença.

Os medicamentos são seguros e eficazes. O paciente deve tomar a primeira dose mensal supervisionada pelo profissional de saúde. As demais são auto-administradas. Ainda no início do tratamento, a doença deixa de ser transmitida. Familiares, colegas de trabalho e amigos, além de apoiar o tratamento, também devem ser examinados.

Para crianças com hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema padrão é ajustada de acordo com a idade e o peso. Já no caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do esquema padrão, são indicados esquemas substitutivos.

A alta por cura é dada após a administração do número de doses preconizadas pelo esquema terapêutico, dentro do prazo recomendado. O tratamento da hanseníase é ambulatorial, ou seja, não necessita de internação.

Esquemas terapêuticos para tratar a Hanseníase

Os esquemas terapêuticos para tratar a hanseníase deverão ser utilizados de acordo com a classificação operacional de cada pessoa.


Esquemas terapêuticos utilizados para Paucibacilar: 6 cartelas

Adulto
• Rifampicina (RFM): dose mensal de 600mg (02 cápsulas de 300mg) com administração supervisionada.
• Dapsona (DDS): dose mensal de 100mg supervisionada e dose diária de 100mg autoadministrada.

Criança
• Rifampicina (RFM): dose mensal de 450mg (01 cápsula de 150mg e 01 cápsula de 300mg) com administração supervisionada.
• Dapsona (DDS): dose mensal de 50mg supervisionada e dose diária de 50mg autoadministrada.

Duração: 06 doses.
Seguimento dos casos: comparecimento mensal para dose supervisionada.
Critério de alta: o tratamento estará concluído com seis (06) doses supervisionadas em até 09 meses. Na 6ª dose, os pacientes deverão ser submetidos ao exame dermatológico, à avaliação neurológica simplificada e do grau de incapacidade física e receber alta por cura.


Esquemas terapêuticos utilizados para Multibacilar: 12 cartelas

Adulto
• Rifampicina (RFM): dose mensal de 600mg (02 cápsulas de 300mg) com administração supervisionada.
• Dapsona (DDS): dose mensal de 100mg supervisionada e uma dose diária de 100mg auto-administrada.
• Clofazimina (CFZ): dose mensal de 300mg (03 cápsulas de 100mg) com administração supervisionada e uma dose diária de 50mg auto-administrada.

Criança
• Rifampicina (RFM): dose mensal de 450mg (01 cápsula de 150mg e 01 cápsula de 300mg) com administração supervisionada.
• Dapsona (DDS): dose mensal de 50mg supervisionada e uma dose diária de 50mg auto-administrada.
• Clofazimina (CFZ): dose mensal de 150mg (03 cápsulas de 50mg) com administração supervisionada e uma dose de 50mg  auto-administrada em dias alternados.

Duração: 12 doses.
Seguimento dos casos: comparecimento mensal para dose supervisionada.
Critério de alta: o tratamento estará concluído com doze (12) doses supervisionadas em até 18 meses. Na 12ª dose, os pacientes deverão ser submetidos ao exame dermatológico, à avaliação neurológica simplificada e do grau de incapacidade física e receber alta por cura.
Os pacientes MB que excepcionalmente não apresentarem melhora clínica, com presença de lesões ativas da doença, no final do tratamento preconizado de 12 doses (cartelas) deverão ser encaminhados para avaliação em serviço de referência (municipal, regional, estadual ou nacional) para verificar a conduta mais adequada para o caso.


Notas importantes sobre a Hanseníase

  • A gravidez e o aleitamento não contraindicam o tratamento padrão da hanseníase;
  • Em mulheres na idade reprodutiva, deve-se atentar ao fato que a rifampicina pode interagir com anticoncepcionais orais, diminuindo a sua ação;
  • A substituição do esquema padrão por esquemas substitutivos deverá acontecer, quando necessária, sob orientação de serviços de saúde de referência (municipal, regional e/ou estadual);
  • Em crianças ou adultos com peso inferior a 30kg, ajustar a dose de acordo com o peso conforme recomendações das diretrizes nacionais.

Quais são as complicações da Hanseníase?

As complicações da hanseníase, muitas vezes, se confundem com a evolução do próprio quadro clínico da doença. Muitas dependem da resposta imune dos indivíduos acometidos, outras estão relacionadas com a presença do M. leprae nos tecidos e, por fim, algumas das complicações decorrem das lesões neurais características da hanseníase.

Complicações diretas

Estas são aquelas decorrentes da presença do bacilo na pele e outros tecidos, principalmente em quantidades maciças, como é o caso dos pacientes multibacilares com alta carga bacilar.

Rinite hansênica decorre da massiva infiltração da mucosa do trato respiratório superior. A ulceração da mucosa septal leva a exposição da cartilagem septal com necrose e sua perfuração ou mesmo perda completa desse suporte da pirâmide nasal. Se houver comprometimento dos ossos próprios nasais, o colapso nasal é completo com o surgimento do característico nariz desabado ou “em sela”.  Na arcada dental superior, a invasão óssea permite o afrouxamento dos incisivos superiores com sua perda. A destruição da espinha óssea nasal anterior elimina o ângulo obtuso naso-labial deixando-o em ângulo agudo, o que leva a um aspecto simiesco se já houver o colapso nasal antes referido.

A mucosa oral pode se tornar espessa e apresentar nódulos, particularmente na região do palato, permitindo, se houver evolução do processo infiltrativo, a perfuração do palato.

Na área ocular, a triquíase decorre de processo inflamatório do próprio bulbo piloso ou por atrofia dos tecidos que apoiam os folículos, com posicionamento anômalo do cílio podendo atingir córnea e conjuntiva. O comprometimento massivo dos bulbos, com perda tanto ciliares como supraciliares, podem levar à madarose ciliar e supraciliar. As alterações da íris podem ser descritas como atrofias irianas do estroma, do epitélio pigmentário ou totais, nódulos inespecíficos e nódulos específicos (pérolas irianas), irites agudas, irites crônicas, sinéquias anteriores e sinéquias posteriores. Esses comprometimentos oculares são importantes e necessita acompanhamento constante de atenção oftalmológica ou prevenção ocular. Por fim, os frequentes infiltrados inflamatórios de pálpebras e pele da região frontal permitem o surgimento de rugas precoce e pele redundante palpebral resultando em blefarocalase.

Complicações devido à lesão neural

Podem ser divididas em primárias e secundárias, sendo as primeiras decorrentes do comprometimento sensitivo e motor e as demais, resultantes dessas.

Os troncos nervosos mais acometidos, no membro superior, são o nervo ulnar, nervo mediano e nervo radial. A lesão do nervo ulnar acarreta uma paralisia dos músculos interósseos e os lumbricais do quarto e quinto dedos da mão. Estabelece-se assim um desequilíbrio de forças no delicado aparelho flexo-extensor dos dedos. A falange proximal é hiper-extendida e os flexores profundos flexionam exageradamente as falanges distais – o resultado é a mão em garra. O nervo mediano, acometido na região do punho, leva à paralisia dos músculos tênares, com perda da oposição do polegar. A lesão do nervo radial, menos acometido entre eles, conduz à perda da extensão de dedos e punho, causando deformidade em “mão caída”.

No membro inferior, a lesão do tronco do tibial posterior leva a garra dos artelhos e importante perda de sensibilidade da região plantar com graves consequências secundárias (úlceras plantares). A lesão do nervo fibular comum pode provocar a paralisia da musculatura dorsiflexora e eversora do pé. O resultado disto é a impossibilidade de elevar o pé, com marcada alteração da dinâmica normal da marcha (pé caído).

Na face, a lesão do ramo zigomático do nervo facial causa paralisia da musculatura orbicular com consequente impossibilidade de oclusão das pálpebras, levando ao lagoftalmo.

As complicações secundárias são devidas, em geral, ao comprometimento neural, mas requerem um segundo componente causador. Este é o caso das úlceras plantares que, decorrentes basicamente da alteração de sensibilidade da região plantar, necessita de força de fricção e trauma continuado na região plantar para que a úlcera surja. Da mesma forma, a perda da sensibilidade autonômica, que inerva as glândulas sebáceas sudoríparas, deixam a pele seca e fragilizada, exposta ao trauma. 

Complicações devido às reações

A hanseníase é doença de evolução crônica, mas seu curso pode ser interrompido de forma abrupta por sinais e sintomas agudos. Entre eles se salientam a febre alta, dor no trajeto dos nervos, o surgimento de lesões da pele (placas ou nódulos) e a piora do aspecto de lesões que já existiam previamente. Esses quadros se denominam reações hansênicas ou estados reacionais. Estas são alterações do sistema imunológico, que se expressam por meio de manifestações inflamatórias agudas e subagudas e ocorrem com maior frequência nos casos multibacilares, durante ou depois do tratamento com Poliquimioterapia (PQT).

Como prevenir a Hanseníase?

O diagnóstico precoce e o tratamento oportuno da Hanseníase são as principais formas de prevenir as deficiências e incapacidades físicas causadas pela hanseníase. A prevenção de deficiências (temporárias) e incapacidades (permanentes) não deve ser dissociada do tratamento PQT. As ações de prevenção de incapacidades físicas fazem parte da rotina dos serviços de saúde e recomendadas para todos os pacientes.

A avaliação neurológica deve ser realizada:

  • no início do tratamento;
  • a cada 3 meses durante o tratamento, se não houver queixas;
  • sempre que houver queixas, tais como: dor em trajeto de nervos, fraqueza muscular, início ou piora de queixas parestésicas;
  • no controle periódico de pacientes em uso de corticóides, em estados reacionais e neurites;
  • na alta do tratamento;
  • no acompanhamento pós-operatório de descompressão neural, com 15, 45, 90 e 180 dias.
Fonte: Ministério da Saúde